“Passando batido”: o DDA feminino
Diferentemente dos homens, mulheres com DDA podem muitas vezes passar incógnitas aos olhos mais atentos. Entre elas, predomina o tipo sem hiperatividade, ao contrário de seus pares masculinos. Tal diferença, determinada por particularidades biológicas dos sexos, além do auxílio do componente cultural,pode contribuir para a aparente superioridade numérica da população masculina entre os que têm o diagnóstico de DDA. Sabe-se que para cada mulher com DDA, em média, há dois homens, segundo estudos recentes (esta proporção já foi considerada de cinco para um, em média). No entanto, permanece a dúvida sobre se o DDA é realmente mais freqüente em homens, ou se é apenas subdiagnosticado em seus pares femininos. Antes de as pesquisas lançarem maior luz sobre o tipo não-hiperativo, meninas talvez até pudessem ser diagnosticadas como tendo Distúrbio do Déficit de Atenção, SE fossem do tipo hiperativo.
O tipo hiperativo é o menos freqüente na população feminina, mas, do mesmo modo como em meninos, meninas endiabradas dificilmente passam despercebidas. Ironicamente, isso poderia ser chamado de sorte. Elas podem ser precocemente diagnosticadas e assim poupadas da tortuosa via-crúcis que suas semelhantes do tipo desatento irão atravessar, antes de descobrirem a causa de tanta confusão em suas vidas: a desorganização; os esquecimentos; a sensação de serem abandonadas neste mundo à própria sorte, sem jamais conseguirem se adaptar neste planeta cheio de horários a cumprir; as tarefas meticulosas; os prazos; as obrigações; e os filhos.
O preço a ser pago, quando o diagnóstico de DDA não é feito, é bastante alto para uma mulher. Diferentemente dos homens, das mulheres se espera que sejam atentas, calmas e dedicadas. Que sejam organizadas e seus gestos delicados. Atributos indispensáveis ao papel de boa esposa e boa mãe. Se não forem assim tão caprichosas e prendadas, elas vergam sob o peso da crítica e do julgamento externo.
Aliás, antes mesmo de chegarem à vida adulta, já sofrem com as constantes reprimendas. Sua letra não é tão bem-feita quanto à da colega impecavelmente engomadinha ao seu lado. Seu caderno não é muito organizado. Sua mochila contém um amontoado de papeizinhos amassados, lascas de lápis apontados, canetas sem tampas, tampas sem canetas. Com ou sem canetas, todas as tampas mordidinhas. Sua dificuldade em organizar-se e concentrar-se gera intensa ansiedade e depressão, não só pela condenação implícita ou explícita no escrutínio de familiares, professores e colegas, mas também pelo próprio desconforto e prejuízo que estas características em si já carregam. Conforme a menina vai crescendo, tornando-se uma adolescente e mulher, aumenta a carga de responsabilidade e a exigência das tarefas que deva cumprir, seja no âmbito acadêmico, seja no laboral.
A dificuldade em manter-se atenta, concentrada e levar seus afazeres a cabo pode ser agravada pelo grau de complexidade e responsabilidade crescente, inerente às ocupações de um ser humano adulto. Mas, agora, sendo adulta, a mulher com DDA não pode mais contar com a complacência que costuma ser dispensada às crianças. Muito pelo contrário, se ela já for mãe, deverá ser capaz de dispensar tal complacência, caso queira ser considerada uma boa mãe. De qualquer forma, independentemente de querer ou não fazer jus a esse rótulo, a sociedade a julgará por essa e outras habilidades. Assim, pelo que se pode ver, mulheres com DDA podem passar por dificuldades bem específicas, durante seu desenvolvimento, diversas daquelas dos homens.
Do Livro "Mentes Inquietas" de Ana Beatriz B. Silva.