terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Pe. Fábio de Melo - Casos de Sequestro

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Ela era uma moça bonita. Beleza não convencional; beleza rara. Tinha quinze anos quando conheceu o rapaz. Ele chegou quando ainda não era tempo de chegar. Pediu da menina o que ela ainda não estava preparada para oferecer. Ela não soube dizer não. O encanto tem o poder de cegar os que estão encantados. Os encantadores sabem disso. Pouco a pouco, ele foi invadindo a sua casa, a sua vida, os seus valores. Feito um posseiro, desrespeitou as cercas e proclamou ser proprietário da vida daquela moça, que ainda tinha ares de criança. Aquela que até tão pouco tempo brincava de boneca agora tinha nos braços uma criança de verdade. Maternidade prematura.

Ele não a assumiu como esposa. Sumia e aparecia quando bem entendia. Ela era apenas um objeto de sua satisfação. Ela deixava que fosse assim. Não tinha forças para discordar. O encanto ainda continuava. Ele fez com que ela esquecesse todos a quem amava. Tornou-se uma estranha dentro de sua própria casa; perdeu a liberdade de pedir afeto, de demonstrar fragilidade, de voltar a ser menina, ainda que já tivesse uma outra criança nos braços. Aquele rapaz não lhe deixara apenas um filho. Deixou-lhe também a dependência química do álcool. Dezesseis anos, mãe e alcoólatra. O processo de destruição foi rápido. Do álcool passou à cocaína e depois veio o craque. Numa manhã iluminada de setembro, ela apareceu morta, vítima de overdose, na garagem de sua casa. Um destino cruel para quem poderia ter sido tanto na vida. Aquela manhã de primavera selou um sequestro que não teve resgate. Trágico fim, trágica continuidade na vida de seus pais e amigos.

Do livro: Quem me roubou de mim? O seqüestro da subjetividade e o desafio de ser pessoa.