quinta-feira, 18 de junho de 2009

O que é ser Cachoeirense

Cachoeirense ausente17/06/2009 - 00h00 (Outros - Outros)
João Baptista Herkenhoff

Que belíssima escolha a do Cachoeirense Ausente Número 1 deste ano. Michel Misse é bem o símbolo do que há de mais nobre na alma cachoeirense.

Quem não é iniciado nas coisas de minha terra pode não entender muito bem o que estou dizendo. Perguntará com razão: existe mesmo uma alma cachoeirense?

Para alcançar o sentido do que seja a alma cachoeirense é necessária uma incursão pelos caminhos da Antropologia, da História e da Poesia.

Antropologia, etimologicamente, deriva do grego e significa "estudo do homem".

A Antropologia Cultural ou Etnologia estuda as criações do espírito humano, que resultam da interação social, como notou Emídio Willens. Essas criações desdobram-se em conhecimentos, idéias, técnicas, habilidades, normas de comportamento, hábitos adquiridos na vida social e por força da vida social.

Como observa Naylor Salles Gontijo, a Antropologia, por encerrar um sentido de totalidade, pode revelar informações completas das caraterísticas biológicas, culturais e sociais do homem.
É com a lente do antropólogo que podemos entender o que é a alma cachoeirense.

Essa alma cachoeirense é tão intensa e profunda que Rubem Braga escreveu: "modéstia à parte eu sou de Cachoeiro de Itapemirim."

O grande Rubem não disse: modestia à parte eu sou o curió da crônica; modestia à parte eu sou considerado o maior cronista deste país; modestia à parte eu elevei a crônica de seu modesto espaço marginal para a condição de gênero literário de primeira grandeza. Rubem Braga compreendeu que mais importante do que tudo isto era mesmo afirmar: modéstia à parte eu sou de Cachoeiro de Itapemirim.

A alma cachoeirense tem várias características que a singularizam:a) é marcada pela auto-consciência, ou seja, ninguém precisa demonstrar ao cachoeirense que ele tem uma alma própria; só é necessário argumentar neste sentido para provar aos não cachoeirenses a existência de uma alma cachoeirense;

b) é solidária, ou seja, cachoeirense quando encontra outro cachoeirense, em qualquer Estado da Federação, em qualquer país do mundo, reconhece no conterrâneo um irmão; milhares de cachoeirenses podem dar este testemunho;

c) a alma cachoeirense é totalizante, ou seja, coloca a condição de ser cachoeirense acima de diferenças religiosas, políticas ou ideológicas, o que ficou provado quando, em tempos de ditadura no Brasil, cachoeirense politicamente proscrito compareceu, em segredo, a sepultamento de ente querido em Cachoeiro protegido pela fraternidade dos conterrâneos, de modo a não ser preso.
Venha agora em socorro de nossa tese o testemunho da História.

A alma cachoeirense foi talhada através do tempo. Figuras ilustres e figuras modestas do passado construíram esta alma.

Na política, o grande Jerônimo Monteiro nasceu em Cachoeiro.

Nas artes são cachoeirenses astros como Roberto Carlos, Sérgio Sampaio, Carlos Imperial, Levino Fânzeres, Luz Del Fuego, Raul Sampaio Coco, Jece Valadão, Newton Braga e obviamente Rubem Braga, já citado. Também cachoeirenses anônimos, que não são nome de rua, colocaram seu tijolo na edificação da alma cachoeirense.

Cachoeiro de Itapemirim esteve presente em todos os grandes momentos da vida nacional: Independência do Brasil; Abolição da Escravatura; Proclamação da República; Revolução de 30 (albores do movimento, não o desdobramento que desembocou no Estado Novo); exploração nacional do petróleo; anistia ampla, geral e irrestrita; convocação da Assembléia Nacional Constituinte; destituição, pela via democrática, do Presidente que não foi fiel a suas promessas.
Também a Poesia ajudou a plasmar a alma cachoeirense, exaltando nossas belezas, interpretando nossos sentimentos, através de poetas como Benjamin Silva, Narciso Araujo, Frederico Augusto Codeceira, Solimar de Oliveira, Evandro Moreira, João Mota, Marly de Oliveira, Nordestino Filho, Paulo de Freitas, Athayr Cagnin e muitos outros.

Michel Misse é o símbolo da alma cachoeirense porque titular de todas as características dessa alma. Ele não esqueceu sua cidade natal. Trabalhos, missões e estudos em universidades e instituições do mundo (França, Alemanha, Espanha) não apagaram de sua retina a imagem do Itabira. A trepidante vida intellectual e acadêmica, ministrando cursos, publicando livros, comparecendo a congressos, o vozerio da notoriedade não calou no seu tímpano o doce murmúrio das águas do rio Itapemirim.

Além disso Michel Misse é membro de uma família que prestou relevantes serviços a Cachoeiro. Na escolha de seu nome, não se homenageará apenas o Michel, mas toda a Família Misse, vivos e mortos desta estirpe exemplar.

João Baptista Herkenhoff é livre-docente da Ufes, professor visitante de diversas universidades e escritor. e-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
Quem é Michel Misse?
É Bacharel em Ciências Sociais pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1974), Mestre em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro - IUPERJ/SBI/UCAM (1979) e Doutor em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro - IUPERJ/SBI/UCAM (1999). Atualmente é Professor Associado do departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde ingressou como professor em 1978. Integra o corpo permanente do Programa de pós-graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ desde 2000. Dirige o NECVU - Núcleo de Estudos em Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Teoria Sociológica, atuando principalmente nos seguintes temas: sociologia urbana, comportamento desviante, drogas, criminalidade, violência urbana. Pesquisador do CNPq, coordena Acordo Capes-Cofecub com a Universidade de Lille 1 e participa do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia "Violência, Democracia e Segurança Cidadã". Publicou recentemente "Crime e Violência no Brasil Contemporâneo. Estudos de sociologia do crime e da violência urbana" (Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris, 2006) e "Acusados e Acusadores: estudos sobre ofensas, acusações e incriminações (Rio de Janeiro, Editora Revan/Faperj, 2008). Dirige a revista "Dilemas - Estudos de Conflito e Controle Social".
Este ótimo texto foi enviado pelo meu amigo Bernard Almeida.