sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Fernando Pessoa - Um poeta DDA

MENTES INQUIETAS
ANA BEATRIZ B. SILVA

Fernando Pessoa — "Um navegador de várias almas.”

Nascido em Lisboa, no dia 13 de junho de 1888, Fernando Pessoa sinaliza em sua obra traços de uma mente com funcionamento DDA: inquietação,contradição, desorganização, devaneios, hiperconcentração, criatividade,intolerância ao tédio, dificuldade em seguir regras... Criou vários "eus”, os famosos heterônimos, para descrever o mundo sob diversos ângulos: ”Criei em mim várias personalidades. Crio personalidades constantemente. Cada sonho meu é imediatamente, logo ao aparecer sonhado, encarnado numa outra pessoa, que passa a sonhá-lo, e eu não.”

Lendo sua obra, observam-se exemplos indicativos de um comportamento DDA. Como no poema ”Liberdade”, no qual fustiga o tédio e desafia conceitos estabelecidos:

Ai, que prazer
não cumprir um dever
ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada
estudar é nada.
O sol doira sem literatura
O rio corre bem ou mal,
sem edição original
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma
Quanto melhor é quando há bruma
Esperar por D. Sebastião,
quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças
flores, música, o luar, e o sol que peca
só quando, em vez de criar, seca
E mais do que isto
É Jesus Cristo,
que não sabia nada de finanças,
nem consta que tivesse biblioteca...

A contradição, a visão imprecisa sobre si mesmo e a baixa autoestima também aparecem de maneira clara no poema ”Tabacaria”, do heterônimo Álvaro de Campos. Um momento de inspiração de Fernando Pessoa, que se autodenominava o ”Poeta da Natureza”:

Não sou nada
Nunca serei nada
Não posso querer ser nada
À parte isso
Tenho em mim todos os sonhos do mundo...

Ia da tristeza à alegria em curtos espaços de tempo, indicando ser uma personalidade inquieta e de humor instável. Embora muitos o acusem de ser um poeta melancólico e pessimista, a esperança e o desejo de melhorar as pessoas também aparecem em sua obra, como no poema "Para ser grande”, de um dos seus mais importantes heterônimos, Ricardo Reis:

Para ser grande, sê inteiro:
nada teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa.
Põe quanto és no mínimo que fazes.
Assim em cada lago
a lua toda brilha, porque alta vive.