quarta-feira, 21 de outubro de 2009

AMOR LÍQUIDO - Parte 4

BAUMAN, Zygmunt. AMOR LÍQUIDO: sobre a fragilidade dos laços humanos.

O desejo precisa de tempo para germinar, crescer e amadurecer. Numa época em que o “longo prazo” é cada vez mais curto, ainda assim a velocidade de maturação do desejo resiste de modo obstinado à aceleração. O tempo necessário para o investimento no cultivo do desejo dar lucros parece cada vez mais longo – irritante e insustentavelmente longo. Se você investe numa relação, o lucro esperado é, em primeiro lugar e acima de tudo, a segurança – em muitos sentidos: a proximidade da mão amiga quando você mais precisa dela, o socorro na aflição, a companhia na solidão, o apoio para sair de uma dificuldade, o consolo na derrota e o aplauso na vitória; e também a gratificação que nos toma imediatamente quando nos livramos de uma necessidade. Mas esteja alerta: quando se entra num relacionamento, as promessas de compromisso são “irrelevantes em longo prazo”. Numa relação, você pode sentir-se tão inseguro quanto sem ela, ou até pior. Só mudam os nomes que você dá à ansiedade.

O fracasso no relacionamento é muito frequentemente um fracasso na comunicação. Como observou Knud Logstrup – inicialmente o insinuante evangelista da paróquia de Funen, mais tarde o estridente filósofo da ética na Universidade de Aarhus, há duas “perversões divergentes” à espreita do comunicador imprevidente ou descuidado. Uma delas é “o tipo de associação que, devido à preguiça, ao medo ou a uma propensão à acomodação no relacionamento, consiste simplesmente em tentar agradar um ao outro enquanto se continua fugindo do problema”.

Outra perversão consiste em “nosso desejo de mudar os outros. Temos opiniões definidas sobre como fazer as coisas e sobre como os outros deveriam ser. Essas opiniões carecem de critério, pois, quanto mais definitivas, mais necessário se torna que evitemos ser confundidos por uma compreensão excessiva daqueles que devem ser mudados”.(...) eu amo você, e assim permito que você seja como é e insiste em ser, apesar das dúvidas que eu possa ter quanto à sensatez de sua escolha. Não importa o mal que sua obstinação possa me causar: não ousarei contradizer você, muito menos pressionar para que você escolha entre a sua liberdade e o meu amor. Você pode contar com a minha aprovação, aconteça o que acontecer... E já que o amor não pode deixar de ser possessivo, minha generosidade amorosa é baseada na esperança: aquele cheque em branco é um presente do meu amor, um presente precioso que não se encontra em outros lugares. Meu amor é o refúgio tranqüilo que você procurava e de que precisava mesmo que não procurasse. Agora você pode sossegar e suspender a busca...

Eis aí a possessividade amorosa – mas uma possessividade que procura realizar-se por meio do autocontrole. O amor é uma das respostas paliativas a essa bênção/maldição da individualidade humana, que tem como um dos seus muitos atributos a solidão que tende a advir da (como insinua Erich Fromm, seres humanos de todas as idades e culturas são confrontados com a solução de uma única e mesma questão: como superar a separação, como alcançar a união, como transcender a vida individual e encontrar a “harmonia com o todo”). Onde há dois não há certeza. Ser duplo significa consentir em indeterminar o futuro. Franz Kafka observou que somos duplamente distintos de Deus. Tendo comido da árvore do bem e do mal, nós nos distinguimos Dele, enquanto o fato de não termos comido da árvore da vida O distingue de nós. Ele (a eternidade, na qual se abraçam todos os seres e seus feitos, em que tudo que pode ser é, e tudo que pode acontecer acontece) está próximo de nós. Fadado a permanecer secreto – eternamente além de 4 nossa compreensão. Mas sabemos disso, o que não nos permite ter sossego. Desde a fracassada tentativa de erigir a Torre de Babel, não podemos deixar de tentar e errar e fracassar e tentar novamente.