terça-feira, 20 de outubro de 2009

AMOR LÍQUIDO - Parte 3

BAUMAN, Zygmunt. AMOR LÍQUIDO: sobre a fragilidade dos laços humanos.

Sem humildade e coragem não há amor. Essas duas qualidades são exigidas, em escalas enormes e contínuas, quando se ingressa numa terra inexplorada e não mapeada.

E é a esse território que o amor conduz ao se instalar entre dois ou mais seres humanos.

Quando se trata de amor, posse, poder, fusão e desencanto são os Quatro Cavaleiros do Apocalipse.Nisso reside a assombrosa fragilidade do amor, lado a lado com sua maldita recusa em suportar com leveza a vulnerabilidade.O amor é uma hipoteca baseada num futuro incerto e inescrutável.O amor pode ser, e frequentemente é tão atemorizante quanto a morte. Só que ele encobre essa verdade com a comoção do desejo e do excitamento. Faz sentido pensar na diferença entre amor e morte com na que existe entre atração e repulsa. Pensando bem, contudo, não se pode ter tanta certeza disso. As promessas do amor são, vis de regra, menos ambíguas do que suas dádivas. Assim, a tentação de apaixonar-se é grande e poderosa, mas também o é a tração de escapar. E o fascínio da procura de uma rosa sem espinhos nunca está muito longe, e é sempre difícil de resistir.

O amor, por outro lado, é a vontade de cuidar, e de preservar o objeto cuidado.No amor, o eu é, pedaço por pedaço, transplantado para o mundo. O eu que ama se expande doando-se ao objeto amado. Amar diz respeito à auto-sobrevivência através da alteridade. E assim o amor significa um estímulo a proteger, alimentar, abrigar; e também à carícia, ao afago e ao mimo, ou a – ciumentamente – guardar, cercar, encarcerar. Amar significa estar a serviço, colocar-se à disposição, aguardar a ordem.

Mas também pode significar expropriar e assumir a responsabilidade. Domínio mediante renúncia, sacrifício resultando em exaltação. O amor é irmão xifópago da sede de poder – nenhum dos dois sobreviverá à separação.Se o desejo quer consumir, o amor se autoperpetua.

Desejo e amor se encontram em campos opostos. O amor é uma rede lançada sobre a eternidade, o desejo é um estratagema para livrar-se da faina de tecer redes. Fiéis a sua natureza, o amor se empenharia em perpetuar o desejo, enquanto este se esquivaria aos grilhões do amor.(...) não impeça que um “relacionamento significativo” termine em “dificuldades e amarguras” quando um dos parceiros “mantém o compromisso de levar a relação adiante enquanto o outro está ávido por caçar em outras pastagens”. As soluções de meio-termo – como todos os outros arranjos “até segunda ordem” num ambiente fluido no qual amarrar o futuro é algo tão irrealizável quanto apreciado – não são necessariamente ruins. Mas, quando “você se comprometer, mesmo que sem entusiasmo”, lembre-se de que “pode estar fechando as portas a outras possibilidades românticas” (ou seja, renunciando ao direito de “caçar em novas pastagens”, ao menos até que o parceiro reivindique esse direito antes de você).