quarta-feira, 28 de outubro de 2009

AMOR PRÓPRIO

BAUMAN, Zygmunt. AMOR LÍQUIDO: sobre a fragilidade dos laços humanos.

"Amor-próprio – o que significa isso? O que eu amo “em mim mesmo”? O que eu amo quando amo a mim mesmo? Nós, humanos, compartilhamos os instintos de sobrevivência com nossos primos animais sejam os próximos, os nem tão próximos ou os bem distantes – mas, quando se trata de amor-próprio, nossos caminhos se separam e seguimos por conta própria.É verdade que o amor-próprio estimula a gente a se “agarrar à vida”, a tentar a todo custo permanecer vivo, a resistir e enfrentar o que quer que ameace pôr fim à nossa vida de modo prematuro ou abrupto, ou, melhor ainda, a melhorar nosso vigor e aptidão física para tornar efetiva essa resistência.

Para termos amor-próprio, precisamos ser amados. A recusa do amor – a negação do status de objeto digno do amor – alimenta a auto-aversão. O amor-próprio é construído a partir do amor que nos é oferecido por outros. Se na sua construção forem usados substitutos, eles devem parecer cópias, embora fraudulentas, desse amor. Outros devem nos amar primeiro para que comecemos a amar a nós mesmos.E como podemos saber que não fomos desconsiderados ou descartados como um caso sem esperança, que o amor está, pode estar, estará prestes a aparecer, que somos dignos dele, e assim temos o direito de nos entregar ao amour de soi e ter prazer com isso? Nós o sabemos, acreditamos que sabemos e somo s tranqüilizados de que essa crença não é um equívoco quando falam conosco e somos ouvidos, quando nos ouvem com atenção, com um interesse que trai/sinaliza uma presteza em responder. Então, concluímos que somos respeitados. Ou seja, supomos que aquilo que pensamos, fazemos ou pretendemos fazer é levado em consideração.

Se os outros me respeitam, então obviamente deve haver “em mim” – ou não deve? – algo que só eu lhes posso oferecer. E obviamente existem outros – não existem? – que ficariam satisfeitos e gratos por isso lhes ser oferecido. Eu sou importante e o que penso e digo também é. Não sou uma cifra, facilmente substituída e descartada. Eu “faço diferença” para outros além de mim. O que digo e sou e faço tem importância – e isso não é apenas um vôo da minha fantasia. O mundo à minha volta seria mais pobre, menos interessante e promissor se eu subitamente deixasse de existir ou fosse para outro lugar.

Se é isso que nos torna objetos legítimos e adequados do amor-próprio, então a exortação a “amar o próximo como a si mesmo” (ou seja, ter a expectativa de que o próximo desejará ser amado pelas mesmas razões que estimulam nosso amor-próprio) evoca o desejo do próximo de ter reconhecida, admitida e confirmada a sua dignidade de portar um valor singular, insubstituível e não-descartável. A exortação nos leva a pressupor que o próximo de fato representa esses valores – ao menos até prova em contrário. Amar o próximo como amamos a nós mesmos significaria então respeitar a singularidade de cada um – o valor de nossas diferenças, que enriquecem o mundo que habitamos em conjunto e assim o tornam um lugar mais fascinante e agradável, aumentando a cornucópia de suas promessas.

..."