segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Sr. Henry Bacon - Corpo médico no Dia-D

TIVE A HONRA ... UMA DAS MAIORES DE TODA MINHA VIDA .. DE CONHECER ESSE HERÓI ... LENDA VIVA DA NOSSA HISTÓRIA. HOJE COM 90 ANOS.

AO SR. HENRY BACON E A TODOS DO CORPO MÉDICO NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL:

Eu com o Sr. Henry Bacon em 2004

Capa da Revista com a reportagem
do Sr. Henry bacon
A Reportagem na íntegra:

Sou pacifista não para continuar vivo, mas para não matar

Se o leitor quiser conversar em português mesmo com um dos pára-quedistas britânicos que desceu na Normandia no Dia D, vá até a praia de Meaípe, no litoral do Espírito Santo, pela manhã. Você verá um homem magro de 84 anos nadando os seus 800 metros diários. Não o interrompa, por favor. Imagine-se, então, num campo a uns 3 quilômetros da praia no litoral francês, e no dia 6 de junho de 1944. Você verá na sombra da noite alguns homens descendo de pára-quedas a 100 metros do solo. Entre eles está o veterano de Meaípe, Henry Bacon, nascido em Londres no dia 18 de maio de 1920, casado, cinco filhos (todos residentes no Brasil), bacharel em letras pelo Queen Mary College (Universidade de Londres) e em teologia pelo St. Luke’s College, em Londres, missionário aposentado da Latin Link no Brasil desde 1952, ex-professor de teologia e arqueologia em seminários evangélicos de São Paulo, Belo Horizonte e Vitória, especialista em Euclides da Cunha e atual pastor da Igreja Batista de Meaípe.

Por Henry Bacon

Cedo na Segunda Guerra Mundial, fui alistado para servir no exército britânico. Registrei-me como pacifista, e fui colocado num “corpo não-combatente”. Porém, foi feito apelo a voluntários para desarmar bombas lançadas pelos aviões alemães que não explodiram. Eu me ofereci. O secretário que recebeu o meu registro disse: “Olha, Bacon, se os riscos fossem razoáveis, eu aceitaria seu nome sem dizer nada. Mas os acidentes são tantos, com tantas mortes... Você realmente quer se registrar?” Respondi: “Não sou pacifista para não morrer, mas para não matar outros”.

Fui colocado numa seção de dezoito homens. Nos dois anos de trabalho, desarmamos centenas de bombas, e não perdemos um só homem por acidente.


Fomos tirados daquele trabalho, mas outra possibilidade se abriu. Estavam sendo preparadas brigadas de pára-quedistas para descer no litoral da França, ocupado pelos alemães, para proteger o desembarque de tropas que vinham pelo mar. Não podiam mandar pára-quedistas sem ambulâncias de campo para acompanhar. Apelaram para os “não-combatentes” para se oferecer como enfermeiros. Então fui com muitos outros.

Tivemos de fazer oito saltos de treinamento. Antes de fazer o primeiro, vimos um soldado que não conseguiu se livrar da correia com que saltou ser arrastado no ar atrás do avião, até que morreu. Trata-se de um acidente raro, mas desanimador! No treinamento, o avião do qual saltamos foi o Whitley, conhecido como “caixão voador”. A abertura para saltar era pequena. Para o dia D, tivemos o Stirling para nos levar a França. Podíamos ficar de pé, e a abertura para o salto daria para jogar um jipe.

Armstrong Whitworth AW38 Whitley
O Caixão Voador

Soubemos quando o dia D estava perto. Toda permissão para viagens de licença foi cancelada, e fomos para um acampamento ao lado do rio Tâmisa. Fomos levados para dentro de uma barraca, muito bem guardada, onde havia fotografias e lentes estereoscópicas para examiná-las. Era exatamente o terreno onde íamos descer e ocupar na França. Pouco depois, fomos ao aeródromo para embarcar. Lá havia filas e filas de grandes aviões, os Stirlings, prontos para levar duas brigadas de pára-quedistas e soltá-las em território francês, onde o inimigo esperava para repulsá-las. Era 11h30 da noite, mas durante a guerra a Inglaterra observava horário de verão dobrado, de maneira que ainda não estava escuro. Havia chá quente para nós, bem adoçado e à vontade. O nosso comandante andava para lá e para cá com a mão cheia de rosas vermelhas, dando uma para cada um dos seus oficiais. Eu me aproximei de meu amigo e disse: “John, se eu voltar são e salvo desta, saberei que minha vida pertence a Deus”. Nenhum de nós sabia o que estava à nossa espera quando chegássemos à terra, mas podíamos imaginar.

O STIRLING
Avião utilizado por Henry Bacon para o salto no Dia-D



Embarcamos, e o nosso avião decolou. Uma hora depois, sobrevoamos a França. Um amigo da onça na minha frente, que olhava pelo buraco para baixo, nos informou: “Há bastante fogo antiaéreo subindo contra nós”. (Para o salto ser eficiente, o vôo deveria ser não muito alto, nem muito rasante, mas justamente dentro do alcance da artilharia antiaérea.) Então veio o momento do salto. Eu aterrissei num campo arado. Livrei-me do pára-quedas e peguei meu equipamento. Então uma figura apareceu da escuridão. Pensei: “Se esse é um alemão, já sou prisioneiro de guerra”. Mas falou em inglês: “Oi, amigo, sabe onde o 13º batalhão está reunindo?” Olhei ao redor. Aquele batalhão tinha uma luz por sinal visível e um chifre de caça por sinal audível. Mas havia luzes de vários pára-quedas de carga pelo campo e barulho de muitos aviões e do fogo das metralhadoras. Não pude ajudá-lo, e ele foi embora em busca da sua unidade. Minutos depois, o cirurgião e mais um da nossa equipe apareceram. O cirurgião começou a nos guiar para o ponto de concentração. De repente, uma faixa de metralha luminosa passou pela nossa frente. Esperamos um pouco; o cirurgião disse: “Acho que estamos seguros agora”, e atravessamos o campo em direção ao lugar onde o resto da nossa unidade estava reunida, numa vala ao lado de uma estrada. Ouvimos o barulho de uma moto, depois um tiro, e apareceu um preso, ferido numa perna, um jovem alemão mensageiro, que nem imaginava que havia ingleses por perto. A essa altura, havia bastante barulho. Então, vi uma coisa que nunca vou esquecer: um planador, alto no céu, inteiramente envolto em chamas. (Uma brigada de tropas em planadores completava a divisão. Um planador levava um pelotão de homens, ou um tanque leve, ou uma peça de artilharia.) Quantos homens pereceram naquele planador, não sei.

Médico Paraquedista na Escala 1/6
Homenagem ao Sr. Henry Bacon

Para um colega, cristão, o pára-quedas foi uma armadilha, pois pegou numa árvore. Ele ficou suspenso no ar e morreu furado por balas. Outro desceu num quintal onde havia tanques alemães estacionados e luzes na casa. Era o quartel-general de uma divisão de tanques. Ele escalou o muro o mais depressa possível, mas lembrou que havia deixado o saco de equipamento médico no quintal. Voltou pelo muro, pegou o equipamento, saiu outra vez e atravessou os campos para se juntar a nós.

Outro, ainda, era padioleiro com um pelotão de infantaria. O avião deles os deixou fora da “nossa” área. Quando se reuniram, o líder se declarou incapaz de achar um caminho para se juntar à nossa divisão. O padioleiro então os guiou através das linhas inimigas até encontrar a massa dos companheiros. (Perto do fim da guerra, esse mesmo padioleiro morreu em ação na Alemanha. Seu irmão mais novo que estava servindo junto teve de enterrá-lo às pressas, para continuar a marcha.)


Naquela primeira noite, esperamos na vala, até que a infantaria tirou os alemães do lugarejo mais perto, Ramville. Perto da alvorada, nós os seguimos e ocupamos o chateau escolhido para o nosso centro cirúrgico. Fomos avisados de que havia franco-atiradores alemães no sótão por cima de nós, mas estávamos ocupados demais para ligar para isso. O cirurgião indicou um quarto para nosso teatro cirúrgico. Conformando-me com o meu treinamento, lavei e escovei tudo naquele cômodo. Então, fui para o quarto contíguo para comer um lanche. Ouvimos o barulho de morteiros perto. Foi quando o inimigo chegou quase a tomar o chateau onde estávamos. Depois do lanche, fui ver como estava o meu trabalho. O nosso “teatro” era um montão de entulho; a poeira enchia o ar.

Os feridos dos nossos rapazes começaram a entrar. O dia inteiro trabalhamos no que restava do chateau. Os dois cirurgiões faziam operações continuamente. Perto da noite, fui ver os meus pertences, que tinha deixado ao pé de uma árvore. A capa antigás e a mochila haviam sido perfuradas por uma bala. Aquele franco-atirador havia tido um dia ativo! Apressamo-nos em cavar trincheiras onde pudéssemos descansar. O meu couro cabeludo nunca se recuperou bem depois que fiquei três meses dormindo na terra.


No primeiro dia, estávamos isolados das forças que vinham pelo mar. Somente um corpo de elite, dos Comandos, chegou até nós. O líder deles, Lord Lovat, chegou ao nosso centro com um corte profundo em uma nádega. Colocamos-lhe uma atadura, e ele voltou para liderar a sua turma. No segundo dia, as outras forças nos alcançaram, e os feridos que estávamos atendendo foram evacuados.

Lord Lovat

Mudamos da casa, por ser um alvo perigoso, para o fundo de uma pedreira. Lá, um avião do Luftwaffe resolveu nos atacar. Quando vi as faíscas do seu canhão brilhando em todas as direções, sabia que eu era o alvo. Joguei-me dentro de uma vala, do esgoto das nossas pias. Momentos depois, levantei-me, encharcado de água ensaboada, mas são e salvo.


Dias depois, tive de acompanhar numa ambulância dois cadáveres para a praia. Lá estavam ainda os detritos do desembarque, mas também vi o porto improvisado, construído seguindo uma sugestão de Churchill: imensos cascos de concreto tinham sido rebocados através do mar e assentados sobre o fundo ainda em água bastante, para formar um molhe e cais onde navios de grande porte pudessem atracar e descarregar. Somente assim o suprimento de munições e provisões de todo tipo pôde ser mantido. 


O porto artificial no Dia-D acima e nos
dias de hoje abaixo.


Da nossa pedreira, fomos espectadores da sucessão de tanques, artilharia, tropas motorizadas e tudo mais que Montgomery levou avante no seu ataque contra Caen. Também vimos o terrível bombardeio noturno de mil aviões sobre Caen, que iluminou o céu inteiro com uma triste luz vermelha. Depois, avançando, passamos no meio de Caen, entre altos barrancos de entulho.

Caen bombardeada

Horas antes do embarque para o salto no campo de batalha, eu estava orando com dois companheiros numa barraca de lona, ao lado do rio Tâmisa. Quarenta e oito horas depois, eu e os mesmos dois fizemos oração numa trincheira na França. Creio que tivemos a proteção de Deus nos perigos daqueles dias. Mas hoje não penso que tivemos razão em ser “não-combatentes”. Depois da guerra veio à tona a verdade a respeito do esforço nazista de extinguir totalmente a nação judaica e dos horrores dos campos de concentração. O domínio do regime nazista seria um mal pior que a guerra.

JUNHO/2004 - REVISTA ULTIMATO
Fonte:
http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/288/o-dia-d-60-aniversario-da-mais-dificil-e-complicada-operacao-militar-de-todos-os-tempos